Chicó e João Rodrigues
Que existe um poema intitulado "As aventuras de Chicó", escrito por João Rodrigues, muita gente já sabe; o que nem todos sabem é que existe realmente o Chicó. Chicó é de Carnaúba, Reriutaba, e faz mil e uma coisas. E foi por aí que eu o conheci, ao me ser apresentado por Ribamar meu amigo Viana. Logo percebi que Chicó não era apenas mais um Chicó da vida, e sim "O Chicó", ímpar, inigualável, e que merecia ser imortalizado. Portanto, logo o transformei em personagem de meu poema "As aventuras de Chicó". Chicó é uma dessas figuras anônimas que se encontra por aí, pelas ruas, pelos bares, pelos bairros, pelo Ceará afora. E foi uma agradável surpresa encontrá-lo. Já até estou pensando em escrever "As aventuras de Chicó II". Leia abaixo, na íntegra, "As aventuras de Chicó".
As aventuras de Chicó O poeta é como o vento
Pois viaja em todo o mundo
Vai pra perto, vai pra longe
Do mais raso ao mais profundo
Vai aonde não imagina
E do Brasil para a China
Faz em menos de um segundo.
E foi nessas aventuras
Que fui parar no sertão
Terra de Maria Bonita
Padim Ciço e Lampião
Pra escrever a trajetória
De um Cabra cheio de glória
Valente e cheio de razão.
No dia dois de novembro
Do outro século passado
No ano cinquenta e oito
Num minúsculo povoado
Nasceu um pequeno bruguelo
Magro, feio e amarelo
Torto, zarolho e assustado.
Antes de raiar o sol
Gritou na baixa o Socó
Na vazante a jaçanã
Cantava num ritmo só
E logo a lua se escondeu
E assim que o sol nasceu
Também nasceu o Chicó.
Nesse momento a parteira
Correu no mato, assustada
Mesmo sendo feiticeira
Ficou a velha assombrada
Com o bebê que nascia
E depois daquele dia
Nunca mais foi encontrada.
O sol, que havia nascido, Cuidou de se esconder
A Terra ficou escura
Nem gato conseguia ver
Rasga-mortalha gritou
O menino se assustou
Parecia que ia morrer.
Ficou roxo e todo inchado
Faltou a respiração
Trouxeram uma lamparina
Pra afastar a escuridão
Mas quando viram o coitado
Correu o povo, assombrado,
Deixando Chicó no chão.
Só ficou mesmo a mãe dele
Que começou a chorar
Se valeu de São Francisco
Para o menino salvar
Mas a Morte veio primeiro
Porém chegando ao terreiro
Não quis o bebê levar.
Botou a foice no ombro
Dali desapareceu
O menino retornou
E a mãe agradeceu
Ao santo do Canindé
Dizendo cheia de fé:
“São Francisco me atendeu!”.
Passaram-se duas semanas
O menino se ajeitou
Tinha jeito de galã
Seu aspecto melhorou
Agora estava corado
De cabelinho dourado
E o povo se admirou.
Logo chamaram o vigário
Pra fazer o batizado
Que quando viu o menino
Ficou muito admirado
Pois parecia um encanto
Botaram o nome do Santo
E de Chicó foi chamado.
Por onde Chicó passava
Chamava logo atenção
Nem parecia o menino
Que fez tanta confusão
Agora as menininhas
Bonitas e assanhadinhas
Queriam o seu coração.
E assim Chicó cresceu
Galante e namorador
Arrasando corações
Da mulherada era o amor
Mas dos “cabra enciumado”
Dos “cabôco apaixonado”
O Chicó foi o terror.
Arranjou muito inimigo
Mas nunca temeu um não
Fosse na perna ou no braço
Na peixeira ou no “Oitão”
Chicó tava preparado
E muito cabra safado
Chicó sacudiu no chão.
Filho de todas as horas
Não temia escuridão
Andava aonde queria
Fosse na serra ou sertão
Por estradas assombradas
Cheias de almas penadas
Passava por diversão.
Numa de suas andanças
Encontrou um amortalhado
E quis agarrar Chicó
Que deu um salto pro lado
Chicó sacou do “Oitão”
E disse: “Senta no chão,
Amortalhado safado!”
Batendo os queixos de medo
O amortalhado sentou
Chicó puxou a mortalha
Então quase desmaiou
Era uma linda morena
Com cheiro de açucena
E Chicó se apaixonou.
Chicó guardou o revólver
E à jovem pediu perdão
Dizendo: “Minha princesa,
Não foi essa a intenção.
Se você quer ir comigo
Pode vir, não tem perigo.
Você tem meu coração”.
E ali naquele momento
Os dois jovens se abraçaram
Entre beijos e abraços
No meio do beco se amaram
A cama foi mesmo o chão
E uma bonita canção
Os anjos do céu cantaram.
Após terminarem o ato
A moça disse: “Meu bem,
Me leve pra minha casa
E preste atenção também
Se meia-noite eu não chegar
Porteiro não deixa eu entrar.
É a ordem que ele tem.”
Disse Chicó: “Não esquente,
Lhe deixar agora eu vou!”
A lua logo se escondeu
Rasga-mortalha gritou.
Pra completar o mistério
Chegando no cemitério
Por lá a moça ficou.
Apesar de corajoso
Chicó se arrepiou
Logo o Chorão da meia-noite
Na sua frente gritou
Chicó disse: “Tá danado!”
É Chorão, é Amortalhado...
Só o Diabo que faltou!”
Nisso escutou uma voz:
“Agora não falta mais!”
Chicou pulou para o lado
E quando olhou para trás
Viu que a noite num era boa
No meio da estrada em pessoa,
Estava ali o Satanás.
Valeu-se de São Francisco
Seu padim de batizado
O Diabo deu um espirro
Fedendo a chifre queimado
E saiu em disparada
Chicó pegou a estrada
Quase que fica assombrado.
Noutra de suas andanças
Que fazia de madrugada
Andando de bicicleta
Passou numa encruzilhada
A bicicleta pesou
Pois na garupa sentou
Uma velha alma penada.
A velha quando era viva
Era gorda feito o cão
Ti’a morrido atropelada
Debaixo de um caminhão
Como era coisa ruim
Vivia com esse fim
De fazer assombração.
A velha se acostumou
Toda vez que ele passava
Ela pegava carona
Lá na frente ela saltava
Um dia Chicó no escuro,
Gritou: “Eu te esconjuro!
Vai pro inferno, safada!”
A velha então deu um grito
Que Chicó se arrepiou
O chão ali se abriu
O véu do céu se rasgou
Logo apareceu o Cão
Pegou a velha pela mão
E pro inferno a levou.
Chico de tudo já viu
Lobisomem, assombração
Sereia, boto, caipora
Alma penada e Chorão
E como ele mesmo diz
Andou por todo o país
E não faltou confusão.
Andou pelas Amazonas
Acre e Rio de Janeiro
São Paulo e até Alagoas
(A terra dos cangaceiros)
Andou por todo lugar
Rondônia, Goiás, Pará
Só não foi no estrangeiro.
Fugiu com moça donzela
Deixou noiva no altar
Já amou mulher casada
Fez casal se separar
Já fugiu com empregada
Sumiram na madrugada
Só voltaram ao sol raiar.
Se eu fosse escrever tudo
De nosso herói, afinal
Dava pra escrever livros
Encher páginas de jornal
Mas aqui finda o cordel
Pra Chicó tiro o chapéu,
Figura sensacional!
Fim João Rodrigues Ferreira
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