sexta-feira, 1 de março de 2013

Chicó e o grajau de peixe



Chicó andava no mundo
Todo sujo, um trapo, imundo
Vivia de negociar
Comprava peixe e vendia
Pelas casas, todo dia
Pra família sustentar.

Enchia o velho grajau
De cará, bodó, piau
E ia pelo mundo afora
E dizia a São Francisco
Igual um pinto no cisco
“Um dia a vida amiora!”

Chicó sempre teve fé
No Santo do Canindé
O seu fiel protetor
Pedia sempre em comoção
“Meu santo dê proteção
A este trabalhador”.

Não ti’a carteira nem nada
A moto velha, atrasada
Sem farol, buzina ou placa
Parecia burra cansada
Só tinha mesmo zuada
Era mais lerda que vaca.

Levantava bem cedinho
Pedia a bênção ao Padrinho
E saía pra trabalhar
E assim fazia todo dia
Sempre na mesma agonia
Pra moto velha pegar.

Certa vez preocupado
De tanto vender fiado
Com medo de prejuízo
Saiu falando com a moto:
“Se um dia eu acertar na loto
Vou viver no Paraíso”.

Mais tarde, já no asfalto
Depois de subir um alto
Quando já ia descambar
Tava a Polícia parada
Com a sirene ligada
E mandou Chicó parar.

“Por favor, meu cidadão,
Me dê sua habilitação
E também o documento.”
Chicó disse: “Meu patrão,
Nada disso tenho não.
Me adesculpe. Lamento!”

“Escute aqui, cidadão,
Deixe de lamentação
Não faço papel ridículo
Portanto vou lhe falar
Se nada tem pra me dar
Vou apreender o veículo”.

Chicó disse: “Como vê
Este é meu mei de vivê
Mi’a moto é de eu trabaiá
Ela é meu quebra-gaio
E o diacho deste trabaio
Diêro qui é bom, num dá”.

O policial falou
Trabalhador também sou
Este é meu ganha-pão
Me adianta e lhe adianto
Se fizer isso, eu garanto
Que a moto num prendo não.

Chicó coçou a cabeça
Disse: “Doutor, num se esqueça
Que eu trabaio o dia intêro
Mi’a roupa é um mulambo
Só ganho 1 real por cambo
Cuma posso tê diêro?”

“Se o Doutor quer me ajudá
O siô pode levá
O peixe que ocê quisé.
Oi aqui este cará
Leve pro Doutor jantar
Em casa cum sua muié.”

Respondeu o policial:
“Sei que você é legal
E bastante decidido
Meu amigo, não se queixe
Mas só aceito seu peixe
Se ele tiver cozido.”

Chicó disse: “Isso é demais
Então lhe digo, rapaz,
Faça o que o Dotô quisé.
Mas o Dotô num se queixe
Me dê meu grajau de peixe
Que vendo este diacho a pé.”

Botou o grajau no ombro
Quase que levava um tombo
E saiu dando risada
E o soldado ali parado
Boquiaberto, admirado
Com aquele doido na estrada.

“Volta aqui”, disse o soldado,
“Vamos deixar combinado
Tira esta merda daí.
Sei que é trabalhador
Portanto, faça um favor
Não passe mais por aqui.”

Chicó disse: “Meu patrão,
Aqui num passo mais não
Quem manda aqui é o siô
Eu já tô indo mimbora
Mas antes de eu dá o fora
Me faça mais um favô.”

“Minha moto é complicada
Quando ela é desligada
A bicha num quer pegá
E num tô de brincadêra
Agora a única manêra
É o Dotô empurrá.”

Chicó foi logo montando
E o homem a moto empurrando
Até que ela pegou
Chicó caiu na risada
Sozinho naquela estrada
Mundo afora se mandou.
  Fim

João Rodrigues

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