quarta-feira, 15 de maio de 2013

Poesia matuta - A defesa de um camponês


 A DEFESA DE UM CAMPONÊS
 
Seu dotô nasci na roça
Lá vivi e me criei
Na mi’a humilde paioça
Derde criança morei
Lá passei todo os meu dia
E lá criei mi’a famia
Cum suó da mi’a labuta
E li garanto, Dotô
Ninguém nunca me ajudô
Sobrevivi de mi’a luta.

Todo dia de madrugada
Tivesse chuveno ô não
Na mi’a luta pesada
Eu tava de prontidão
E lá no finá do dia
Vortava cum aligria
Pra Chiquinha, mi’a muié
E Cum a famia eu jantava
Dispois na sala eu sentava
Para tomá um café.

Inté vivia satisfeito
Cum a vida qui eu levava
Para o trabaio eu ti’a peito
Cum nada eu mim preocupava
Ti’a meu mi e meu feijão
Comida fartava não
Purisso eu era filiz
Vivê cum mi’a famia
Era mi’a grande aligria
E foi o qui sempre quis.

Mermo sem tê istudado
Mandei meus fi istudá
Mermo morto de cansado
Num parei de trabaiá
Trabaiava noite e dia
Inté já dei agunia
Cum isforço da labuta
Pois sô um homi da terra
Cuma um sordado na guerra
Nunca disisti da luta.

Os meu fi fôro crecendo
E a vida foi miorano
Parece inté que tô vendo
Os meu minino chegano
Todo filiz da iscola
Dispois ia jogá bola
Sua única diversão
Tomava banho i jantava
Dispois na sala sentava
Pra assitir televisão.

Inté qui num certo dia
Já istava iscuriceno
Maria, mi’a sigunda fia,
Tava na cunzia fazeno
Um café pra nóis tumá
Quando uvi ela gritá
“Papai! Papai! Mãe! Socorro!
Assim qui cheguei na porta
Vi mi’a minina morta
Seu Dotô quase qui morro.

Miti a mão na pexêra
E avancei pru ladrão
Ele num me deu bobêra
E já di arma na mão
Feiz jeito de dispará
Mais ante dele apertá
A faca nele infiei
Só vi o cabra gritano
E no chão foi se deitano
Cuma fiz isso num sei.

Logo chegô os vizin
A poliça arguém chamô
Viero in cima de mim
Me trussero pru Dotô
Feito um bicho indiabrado
Cheguei aqui argemado
Me batero feito um cão
Só pruquê eu mim vinguei
E cum justiça matei
Um criminoso, um ladrão.

Tô nessa Delegacia
Isperano jugamento
Já faiz num sei quantos dia
Já tô qui num agüento
Já num mim sinto mais homi
A famia passano fomi
Intão pregunto a você
Fale cum sinceridade
Num são as auturidade
Qui tem qui mim defendê?

Por todo santo do céu
Eu digo para o Dotô
Esse era o seu papel
E eu fiz pelo Siô
Pois eu sô um cidadão
Quem tem qui pegá ladrão
É o Siô, Delegado!
Pois ao Siô vô dizê
Quem tem qui me defendê
É a Lei, é o Estado.

Agora vô sê jugado
Se foi a mi’a aligria
Posso inté sê condenado
Por defendê mi’a famia
I aí tá o Siô
Cum essa pinta de Dotô
Cum ar de dispreocupado
E os bandido assartano
Robano gente, humilhano
I o Siô aí parado.

Mais quando eu mim sortá
E vortá pra mi’a famia
Vô tentar recuperá
Mi’a paiz, mi’a aligria
Mais se vié um ladrão
Nem qui eu sofra ingual o cão
Eu faço tudo di novo
Num posso vivê calado
Em casa trancafiado
Ingual um pinto no ovo.

Fim

 João Rodrigues Ferreira



 

























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