Ainda me lembro dos doces dias de minha
infância, hoje um pouco desbotada pelo tempo, mas clara em minha memória como
uma noite enluarada no sertão.
Naquele tempo, minha rua (na verdade era
meu terreiro) era uma festa toda noite. Meninos brincando de bola de meia, de
casamento, do poço, pega-pega, esconde-esconde, bila, pneu velho, banho de
chuva, enfim, de uma série de brincadeiras; brincadeiras essas que não vejo meu
filho e sobrinhos brincando hoje (eles usam brinquedos eletrônicos, que compram
prontos).
Durante o dia, sob as árvores – pés de
oiticicas, pés de cajueiros –, ou na beira do riacho, a meninada pingava fogo.
Era um pra lá e pra cá, um vai e vem, um corre-corre danado... ninguém parava.
As casas pequenas davam um sinal de que
ali residiam pessoas humildes, simples, mas a limpeza sinalizava pessoas limpas
e decentes, o que dava um certo ar de tranquilidade ao meu lugar. Nossos pais
não se preocupavam quando íamos para a escola sozinhos, ou quando saímos para
comprar algo na bodega, ou quando íamos pra casa de um vizinho ou tio, pois
sabiam que não havia perigo – a não ser uma vaca recém-parida ou um cachorro
doido. À noite, não saíamos sozinhos mesmo, pois tínhamos medo de alma, de
caipora, de amortalhado...
Hoje, distante muitos anos daquilo tudo,
me lembro com saudade daquela época que não volta mais. Mesmo assim, sabendo
que nunca mais voltarei a ter uma doce infância, sou feliz por ter tido essa
doce infância e por saber que ela continua vivinha da silva dentro de mim.